domingo, 21 de fevereiro de 2010

HOMILIA DE SANTO ANTÕNIO GIANELLI, 1838

Homilia de Santo Antônio Gianelli,
aos 08 de julho de 1838,
na sua entrada em Bóbbio como Bispo

Cognoscunt me meae” (Jo 10).
1. ”Quando um Pastor chega pela primeira vez à sua Sede, se despertam mil sentimentos no coração e, se não outra coisa, ao menos todos indagam, todos desejam saber como será. Uns o denunciam demasiado
piedoso, outros receiam de seu excessivo rigor; uns o querem indulgente, outros severo; alguns o prognosticam portador só de bens, outros pressagiam também males. Eu não estou aqui, irmãos e filhos meus amadíssimos, para lançar-vos em rosto esses temores como se se tratasse de um delito, nem para atribuir-vos grandes méritos por essas vossas esperanças. A coisa é espontânea, se apresenta demasiado fácil em si mesma. Eu sou vosso e vós sois meus e, da mesma maneira que eu me tenho por inocente por esperar que todos sereis bons, mas também por temer que algum não o será, assim também não me ofendo porque tendes vossos temores a meu respeito e muito menos porque tendes vontade de conhecer-me a fundo.
2. E a tal ponto eu vos perdôo e absolvo que, nesta primeira ocasião que tenho o prazer de encontrar-me e falar convosco deste lugar, não quero falar-vos de outras coisas, a não ser de mim mesmo. Eu vos direi qual é a minha condição, e direi de tal maneira que penso que ficareis mais contentes do que aborrecidos. E, como o Divino Pastor se gloriava de ser conhecido por suas ovelhas, eu me explicarei nesta primeira ocasião de maneira que possais conhecer-me intimamente. Farei isso expondo-vos a idéia que tenho de mim mesmo; vós me escutareis como gente que quer entender bem para bem agir; como gente que quer conhecer bem o Pai para logo corresponder como bons e amorosos Filhos.
3. A primeira idéia que eu tenho de um Bispo, e portanto a que tenho de mim mesmo, é que se trata de uma espécie de portento e de milagre da divina bondade para com o homem, porque, na dignidade episcopal, vemos Deus que assume, da massa infecta e corrompida do gênero humano, um homem, e não só o levanta acima dos demais homens, mas lhe confia os tesouros de sua graça, sua divina palavra, suas ordens, suas disposições, seus sacramentos, sua autoridade, seu Corpo, seu Sangue, sua Igreja e, como luz posta sobre o candelabro, o destina a iluminar a terra, dissipar as trevas, combater as potências infernais, salvar, guiar as almas ao céu, representar o próprio Deus, a sagrada pessoa de Jesus Cristo e, o direi também, ser algo assim como outro Deus com Deus, por Deus e em nome de Deus... Não vos parece que um tal homem, revestido de tal poder e de tal dignidade, é verdadeiramente um prodígio da mão de Deus e de sua infinita bondade para com o homem?...
4. E isto tanto mais que, ao ser ele elevado a essa altíssima dignidade, não troca nada de sua índole, nem sua inclinação, nem sua natureza. A vocação que deve ter como Arão, as sagradas unções, as preces e os ornamentos pontificais com que o consagra a Igreja são ajudas, certamente, e valimentos para a frágil humanidade, mas não mudam nada; e como um “Paulo”, feito já Apóstolo das Gentes e confirmado na graça, se queremos, não deixava assim mesmo de sentir a lei rebelde à razão e à fé, um Bispo, seja qual for, não deixa nunca de sentir e de levar todo o peso da miséria e da corrupção herdada de Adão.
E aqui compreendereis, irmãos e filhos amadíssimos, que esta grandiosa e sublime idéia da dignidade episcopal eu não vos explico aqui com a intenção de tecer-me o elogio de mim mesmo e como se pretendesse engrandecer-me diante de vós. O simples fato de pensar nisso já seria, não só soberba, mas também estultice, pois conscientes como sois da minha insuficiência e da minha miséria, daríeis risada da estúpida arrogância com que, apropriando-me dos dons de Deus e atribuindo-me a mim mesmo as suas maravilhas, viria a constituir-me um ídolo vão, ridículo, abominável, sacrílego, insuportável.
5. Não, meus irmãos, eu vos anunciava e explicava tal dignidade para que entendêsseis como eu, conhecendo-a e conhecendo ao mesmo tempo a minha ignorância, minha debilidade, minha verdadeira ignomínia, enquanto me esforço em sustentá-la diante de vós; ao mesmo tempo me sinto confuso e humilhado, ao ponto de tremer e espantar-me. Creio e confio, caríssimos, que esta consternação minha deve mover-vos a piedade tão grande que, enquanto admirais e glorificais em vosso coração a Deus por sua grande bondade e caridade para conosco, deveis sentir por mim tanta compaixão que, inclusive no ato em que vos prostrais diante de mim e me tributais tantas honras e tanta veneração, deveis dizer em vosso coração: “Oh! Que peso, que carga Deus pôs sobre este homem!”
Eu não queria dizer que essa compaixão há de ser vã ou infrutuosa para mim. Eu confiava, irmãos, que ao ver e conhecer que Deus me colocava esse encargo, precisamente em vosso favor, vós vos sentiríeis tão interessados e enternecidos que vos apressaríeis a prestar-me ajuda, a aliviar minha debilidade, a confortar minha fragilidade e a remover, se não a tirar por completo, o grave perigo em que me encontro de abater-me e ficar oprimido pela grande carga que me foi imposta e que, no dizer dos sábios e dos santos, bastaria para fazer estremecer de terror aos próprios Anjos.



E penso, irmãos, que vós o fareis hoje e sempre, com as mais vivas e fervorosas orações diante de Deus, implorando-lhe para mim o fervor, a força, a constância, a prudência, a suavidade e a intrepidez, mais ainda, a virtude ou força, a caridade, a perfeição, a santidade, que muito convém a todo bom cristão, que tão necessárias são a todo eclesiástico, sobretudo a um Bispo, que deve resplandecer como um sol no meio de seu rebanho.
Tenho confiança de obter isso de vossa piedade, já que disso depende, em grande parte, vosso verdadeiro bem, vossa eterna salvação. Porque de quem recebereis vós estímulos e incentivo ao bem obrar, senão daquele que está destinado a dar-vos o verdadeiro exemplo e a verdadeira forma do bem obrar em sua própria vida?...Quem vos inspirará o horror ao pecado, senão aquele que é enviado a vós para destruí-lo?...Quem vos dirigirá, apascentará, instruirá e corrigirá, senão aquele que Deus vos deu ao mesmo tempo como Juiz, como Mestre, como Pastor e como Pai?... Como Juiz, como Mestre, como Pastor e como Pai! Sim, irmãos e filhos caríssimos, para tudo isso!
6. Em todas as causas que se referem a Deus, à Igreja e à jurisdição espiritual, eu sou vosso Juiz, vosso grande Juiz, e mais tremendo do que os que levam ou que mandam com a espada, porque os juízos e as sentenças que proferirei sobre vós serão de uma esfera mais alta e de maiores conseqüências. Aqueles não têm poder mais que sobre os corpos; eu estendo o braço e pronuncio também sobre os espíritos. Eles podem privar-vos de um bem temporal ou, quando muito, da vida que dura tão pouco; eu posso fechar-vos o paraíso e posso abrir-vos o inferno. Eu sou o vosso grande Juiz e tenho em minha mão uma espada que só pode moderá-la a Igreja e só pode rompê-la Deus. Oh! quanta Sabedoria, portanto, me é necessária! Oh! quanta prudência! Oh! quanta imparcialidade! Oh! quanta Justiça! Como a terei se Deus não a infunde?... Como a terei, se eu, se vós, não a implorarmos de Deus?...
7. Eu sou vosso Mestre, e depois de Deus e daquele que é Vigário de Deus sobre a terra, eu sou o primeiro, mais ainda, eu sou o que deve vigiar, dirigir e corrigir aos outros vossos Mestres, se fosse necessário, para que a santa Palavra divina, recolhida nas divinas Escrituras, encomendada às Tradições Apostólicas, declarada pelos Padres, aprovada pelos Concílios, ilustrada pelos Doutores e pelos Intérpretes, seja ensinada em sua pureza e transmitida em sua integridade às futuras gerações.
Tudo quanto determinam os Cânones, quanto prescreve a Igreja, tudo deve passar, por assim dizer, por minhas mãos ou partir de meus lábios ou ter, pelo menos, minha aprovação. Eu devo velar para que a sempre enganosa heresia, sedutora e astuta, não se apresente a vós sob o aspecto de verdade; para que uma mesquinha filosofia não vos faça tragar o veneno da incredulidade, do materialismo, da impiedade sob as vãs aparências do bom sentido, das novas luzes, das novas descobertas, dos novos métodos e do tão exaltado liberalismo, que não é, na substância, mais que uma prepotente liberdade de pensar, de falar e de obrar impunemente, pisoteando tronos e altares, razão e fé, direitos das pessoas e a única liberdade verdadeira, que é a de fazer o bem; e para que o amor ao prazer, a avidez da ganância, a sedução da comodidade e o encanto das honras não vos deslumbre, não vos atropele, não vos arrebate e, em vez de uma sólida piedade, vos faça seguir a aparência; em vez da verdadeira fé, uma fria indiferença, e em vez do caminho do céu, a estrada demasiada aberta da perdição. Isto devo fazê-lo desde a Cátedra, do púlpito e dos altares, por palavras e por escrito, diante dos doutos e dos ignorantes, dos atrevidos e dos covardes, em público e em particular e, se fosse preciso, também em campo aberto como os “Hilários” e os “Eusébios” e outros insignes mestres, tornados célebres na história da Igreja Católica.
Ah! Como farei isso, se Aquele que ilumina os cegos e que nas Sagradas Escrituras é chamado “Pai das luzes” não me ilumina, não me dirige, não me infunde essa divina luz que a uns simples pescadores converteu em Apóstolos, a umas mulherzinhas maltrapilhas, e até umas crianças balbuciantes converteu em línguas falantes, com argumentos e eloqüentíssimas?...Rogai a Ele, meus queridos irmãos, rogai, para garantir vossa orientação e minha.
8. Deus me manda como vosso Pastor. E me recomenda e intima a escolha dos campos e das pastagens. Exige de mim a guarda, o cuidado e a saúde do Rebanho. Ai! se, por descuido meu ou por sonolência minha, por minha preguiça ou por minha pusilanimidade, uma só das ovelhas que me são confiadas acabasse faltando-me, acabasse perecendo! Eu seria declarado um mercenário, um traidor, um assassino, um enganador.
Não posso ser bom se não estou disposto a morrer por vós e por cada um de vós. O Bom Pastor do Evangelho é meu único modelo: não posso afastar-me dele sem dano para mim, com grande dano para vós. Os lobos vorazes, os ursos raivosos e os leões que rugem não devem aterrorizar-me o mínimo quando se trata de salvar-vos. Expor a honra, os bens, a vida por vossa eterna salvação: este é o grande Sinal, para não dizer o único, que me caracteriza como Bom. “O Bom Pastor dá sua vida pelas suas ovelhas”.
O simples fato de fugir, de retirar-me, me desqualifica e declara que não sou Bom, ao contrário, que sou um miserável, um covarde, um mercenário, um falso pastor. “O mercenário, aquele que não é Pastor, quando vem o lobo foge”.
Oh! Quem seria tão cego para invejar a minha sorte?... O que pudesse invejar este ouro que me rodeia, estas pedrarias que brilham sobre minhas vestimentas pontificais, aprenda a apreciar o que significam, o que importam ou valem e o que custam a um Pastor do Evangelho.
Oh! Infeliz de mim, se não correspondo, se não imito, se não sigo o Pastor dos Pastores, que vai adiante gritando: “Porque sou Bom Pastor, morro pelas minhas ovelhas”. E vós, não tratarei de confortar-me e sustentar-me com vossas orações agora e sempre, já que agora e sempre eu devo estar disposto a morrer por vós? Mas, isto não basta, irmãos e filhos amadíssimos.



9. Vós sois para mim “filhos”, vós me chamais “Pai”. Eu sou e devo ser para vós “Pai”, e Pai tanto melhor, tanto mais solícito, tanto mais doce, amoroso, apaixonado por vós, quanto mais carinho e amor tem por vós o Pai Celeste, que deu por vós seu Filho divino, ao qual custastes nada menos que o Sangue e a Vida, que diariamente renova por vós, sobre os altares, aquele mesmo sacrifício que outrora ofereceu por vós na Cruz; mais ainda, que goza e se deleita em alimentar-vos com seu divino Corpo e saciar vossa sede com seu divino Sangue. Ele vos entrega a mim e me dá a vós como Pai que o represente, e me dá tudo quanto tem de grande, de precioso, de querido, e a si mesmo por inteiro, para que dele mesmo vos alimente, vos salve.
Não abraçarei eu com todo o afeto do meu coração a estes filhos que Deus me deu e que são amados pelo Filho de Deus? Ah! Sim, vinde todos ao meu peito, que vos abraço a todos e a todos estreito nas entranhas de Jesus Cristo. Vinde, que sinto enorme carinho por vós e me dou conta de que, pela graça de Deus, vos amo já a todos, a todos...
A todos? Também aos néscios? Também aos ingratos? Também aqueles que, com o tempo, talvez pudessem até me odiar, me caluniar, me ofender?... Sim, meus queridos filhos, também a eles, porque ainda que sejam néscios, ingratos, odiosos, ofendedores, não deixariam de ser “filhos” para mim; e, se é do agrado de Deus, não deixarei de amá-los por isso, não deixarei de atendê-los a fim de ganhar a todos para Jesus Cristo; e se não puder outra coisa, abraçado aos pés do Crucifixo, direi com suas próprias palavras: “Senhor, fazei que não se perca nenhum dos que me destes!” “Fazei, ó Pai, (quero começar a dizer isso suspirando...) fazei, ó Pai, que não se perca nenhum dos que me destes!”
10. Quanto mais amarei a vós que tantas e tão belas provas me dais de amor filial? A vós que, espero, me amareis como filhos, do mesmo modo que eu vos amo como Pai? Eu vos amo, sim, vos amo, e espero que seguirei amando-vos até a morte. Mais ainda: espero que nosso amor não acabará senão em Deus. Espero crescer sempre no amor para convosco, até que nosso amor nos una em Deus, para estarmos todos com Deus. Eu o espero! Mas, ai! Meus irmãos e meus filhos, unamo-nos e estreitemo-nos no mesmo santíssimo amor, que é o vínculo da perfeição cristã.
11. Amai-me como Pai, mais que como Pastor, mais que como Mestre e como Juiz; e eu vos prometo que, inclusive quando faça de Pastor, vos guiarei como filhos, não como ovelhas; quando atuar como Mestre, vos ensinarei como a filhos, não como a estranhos; quando fizer papel de Juiz, sem violar os direitos da justiça, vos ouvirei como a filhos, vos sentenciarei como a filhos, vos tratarei como filhos, sempre. E somente quando vós deixardes de reconhecer-me como Pai, vos tratarei como desmandados e como réus.
12. Eu sou, e com a ajuda santa de Deus, continuarei sendo “tudo” para vós. De dia e de noite, no inverno e no verão, para ricos e pobres, sadios e enfermos, sacerdotes e leigos, próximos e distantes, aldeãos e cidadãos, eu serei certamente para “todos” e, se não me engana um amor cego, serei “tudo para todos”.
13. Eu me reservarei e me inibirei só diante daqueles que, esquecidos de Deus e das almas, venham a roubar-me o tempo que devo dedicar para todos, e que, por isso, me resultará sempre escasso; ou diante daqueles que, no lugar do verdadeiro mérito, querem pôr o palavreado. Inimigo como sou da “conversa inútil” e dos respeitos humanos, me mostrarei desconfiado diante de todo gesto cerimonioso e diante das grandes promessas. Mas, em tudo o mais, espero, queridos, que estarei sempre e inteiramente à vossa disposição.
Eia! Sede também vós todos por mim, não para servir-me, não para acariciar-me ou para secundar interesses mundanos, que não combinam com um Ministro de Jesus Cristo, senão para deixar-vos conduzir por Deus, para deixar-vos salvar.
14. Talvez eu, alguma vez, me mostre contrário a vossos pensamentos, a vossos desejos, a vossos projetos, mas será sempre como Pai. Talvez também grite, talvez até impunhe o látego. Talvez vós me considereis Pastor desamoroso, Mestre indiscreto, Juiz severo. Mas, espero que isso não será assim nunca e que, mesmo então, serei para vós Pai, e que o látego será o próprio de um Pai, não de Pastor, não de Mestre, nem de Juiz. Meu objetivo será sempre defender-vos, sempre salvar-vos. E, inclusive, no caso em que um certo relâmpago do céu pudesse incendiar-me e levar-me a alguma reprovação, a alguma ameaça, a algum castigo (porque S.Paulo, depois do Evangelho, me ordena, precisamente, que o faça até inoportunamente), vós recordareis que, até então, serei para vós Pai, e talvez melhor Pai que quando saiba suportar-vos.
15. Eia! Colaborai comigo sempre, aderi, abraçai-vos comigo e estareis salvos porque, afinal, não busco nem quero outra coisa que vossa salvação eterna.
Assim é como eu sou para vós! Assim é como vos desejo!”







Roteiro para Reflexão e Confronto
Gianelli  Gianellina

1.Reações e expectativas diante de quem assume uma nova tarefa: sentimentos positivos... temores...

2.Falar de si mesmo, expressão da idéia que tem de si mesmo... Sua identidade... Seu Projeto de Vida Pessoal.
Exigência: escutar bem para entender bem, corresponder e agir bem.

3.Bispo: portento e milagre de Deus! Poder, dignidade... Deus confia... Prodígio!... Fraquezas... Necessidade de compaixão e piedade. Luz no candelabro (Ap ). Compromissos... com Deus, por Deus e em nome de Deus.

4.Assume nova missão, mas não muda sua índole... Arão... Paulo... Fraquezas como “filho de Adão”...

5.Fardo! Carga sobre a pessoa... Louvores a Deus... Ajuda dos interessados e enternecidos... Orações... Apoio... Resplandecer como um sol no meio do rebanho. Virtudes... Perfil - Tarefas...

6.JUIZ - Sentenças... Conseqüências... Virtudes necessárias, imploradas a Deus e por Ele concedidas: Sabedoria-Prudência-Imparcialidade-Justiça.

7.MESTRE - Palavra divina... Fontes: Tradições Apostólicas - Cânones - Igreja... Meios: mãos e lábios; palavras e escritos. Perigos que exigem cuidado do Pastor: heresia-verdade -mesquinha filosofia- incredulidade, materialismo - vãs aparências - liberalismo. Exemplos: “Hilários”-“Eusébios”...“Pai das Luzes” - transformações...

8.PASTOR - Escolha de campos e pastagens... Guarda, cuidado e saúde do rebanho... Enfrentamento de lobos, ursos e leões... Como o Bom Pastor do Evangelho, dar a vida pelo rebanho; não fugir, como mercenário. Pedido de orações...

9.PAI - a exemplo do Pai Celeste... Todos como filhos... “Que não se perca nenhum!”

10.Atitude filial do povo. Crescimento no amor mútuo: pai - filhos.

11.PAI mais que Pastor; PAI mais que Mestre; PAI mais que Juiz. Pastor-Juiz-Mestre = Pai - Todos filhos!

12. “Tudo para todos”(......) Dia e noite, inverno e verão, ricos e pobres...

13.Disponibilidade - “excessões”: roubo do tempo - conversa inútil... gestos cerimoniosos - grandes promessas... Deixar-se conduzir por Deus... deixar-se salvar...

14.Sempre Pai - oportuna e inoportunamente - com o objetivo de defender e salvar a todos os filhos... Clareza e firmeza na missão...

15.Pedido de colaboração e adesão... Abraçados, abraçar a mesma causa!








HOMILIA de SANTO ANTÔNIO GIANELLI, aos 08 de julho de 1838,
dia de sua entrada em BÓBBIO, como BISPO:

“Cognoscunt me meae”. (Jo 10)

“Quando um sagrado Pastor chega pela primeira vez à sua Sede, se despertam mil sentimentos no coração e, se não outra coisa, ao menos todos indagam, todos desejam saber como será. Uns o denunciam demasiado piedoso, outros receiam de seu excessivo rigor; uns o querem indulgente, outros severo; alguns o prognosticam portador só de bens, outros pressagiam também males. Eu não estou aqui, irmãos e filhos meus amadíssimos, para lançar-vos em rosto esses temores como se se tratasse de um delito, nem para atribuir-vos grandes méritos por essas vossas esperanças. A coisa é espontânea, se apresenta demasiado fácil em si mesma. Eu sou vosso e vós sois meus e, da mesma maneira que eu me tenho por inocente por esperar que todos sereis bons, mas também por temer que algum não o será, assim também não me ofendo porque tendes vossos temores a meu respeito e muito menos porque tendes vontade de conhecer-me a fundo. E a tal ponto eu vos perdôo e absolvo que, nesta primeira ocasião que tenho o prazer de encontrar-me e falar convosco deste lugar, não quero falar-vos de outras coisas, a não ser de mim mesmo. Eu vos direi qual é a minha condição, e direi de tal maneira que penso que ficareis mais contentes do que aborrecidos. E, como o Divino Pastor se gloriava de ser conhecido por suas ovelhas, eu me explicarei nesta primeira ocasião de maneira que possais conhecer-me intimamente. Farei isso expondo-vos a idéia que tenho de mim mesmo; vós me escutareis como gente que quer entender bem para bem agir; como gente que quer conhecer bem o Pai para logo corresponder como bons e amorosos Filhos.
A primeira idéia que eu tenho de um Bispo, e portanto a que tenho de mim mesmo, é que se trata de uma espécie de portento e de milagre da divina bondade para com o homem, porque, na dignidade episcopal, vemos Deus que assume, da massa infecta e corrompida do gênero humano, um homem, e não só o levanta acima dos demais homens, mas lhe confia os tesouros de sua graça, sua divina palavra, suas ordens, suas disposições, seus sacramentos, sua autoridade, seu Corpo, seu Sangue, sua Igreja e, como luz posta sobre o candelabro, o destina a iluminar a terra, dissipar as trevas, combater as potências infernais, salvar, guiar as almas ao céu, representar o próprio Deus, a sagrada pessoa de Jesus Cristo e, o direi também, ser algo assim como outro Deus com Deus, por Deus e em nome de Deus... Não vos parece que um tal homem, revestido de tal poder e de tal dignidade, é verdadeiramente um prodígio da mão de Deus e de sua infinita bondade para com o homem?... E isto tanto mais que, ao ser ele elevado a essa altíssima dignidade, não troca nada de sua índole, nem sua inclinação, nem sua natureza.
A divina vocação que deve ter como Arão, as sagradas unções, as preces e os ornamentos pontificais com que o consagra a Igreja são ajudas, certamente, e valimentos para a frágil humanidade, mas não mudam nada; e como um “Paulo”, feito já Apóstolo das Gentes e confirmado na graça, se queremos, não deixava assim mesmo de sentir a lei rebelde à razão e à fé, um Bispo, seja qual for, não deixa nunca de sentir e de levar todo o peso da miséria e da corrupção herdada de Adão.
E aqui compreendereis, irmãos e filhos amadíssimos, que esta grandiosa e sublime idéia da dignidade episcopal eu não vos explico aqui com a intenção de tecer-me o elogio de mim mesmo e como se pretendesse engrandecer-me diante de vós. O simples fato de pensar nisso já seria, não só soberba, mas também estultice, pois conscientes como sois da minha insuficiência e da minha miséria, daríeis risada da estúpida arrogância com que, apropriando-me dos dons de Deus e atribuindo-me a mim mesmo as suas maravilhas, viria a constituir-me um ídolo vão, ridículo, abominável, sacrílego, insuportável.
Não, meus irmãos, eu vos anunciava e explicava tal dignidade para que entendêsseis como eu, conhecendo-a e conhecendo ao mesmo tempo a minha ignorância, minha debilidade, minha verdadeira ignomínia, enquanto me esforço em sustentá-la diante de vós; ao mesmo tempo me sinto confuso e humilhado, ao ponto de tremer e espantar-me. Creio e confio, caríssimos, que esta consternação minha deve mover-vos a piedade tão grande que, enquanto admirais e glorificais em vosso coração a Deus por sua grande bondade e caridade para conosco, deveis sentir por mim tanta compaixão que, inclusive no ato em que vos prostrais diante de mim e me tributais tantas honras e tanta veneração, deveis dizer em vosso coração: “Oh! Que peso, que carga Deus pôs sobre este homem!”
Eu não queria dizer que essa compaixão há de ser vã ou infrutuosa para mim. Eu confiava, irmãos, que ao ver e conhecer que Deus me colocava esse encargo, precisamente em vosso favor, vós vos sentiríeis tão interessados e enternecidos que vos apressaríeis a prestar-me ajuda, a aliviar minha debilidade, a confortar minha fragilidade e a remover, se não a tirar por completo, o grave perigo em que me encontro de abater-me e ficar oprimido pela grande carga que me foi imposta e que, no dizer dos sábios e dos santos, bastaria para fazer estremecer de terror aos próprios Anjos. E penso, irmãos, que vós o fareis hoje e sempre, com as mais vivas e fervorosas orações diante de Deus, implorando-lhe para mim o fervor, a força, a constância, a prudência, a suavidade e a intrepidez, mais ainda, a virtude ou força, a caridade, a perfeição, a santidade, que muito convém a todo bom cristão, que tão necessárias são a todo eclesiástico, sobretudo a um Bispo, que deve resplandecer como um sol no meio de seu rebanho.
Tenho confiança de obter isso de vossa piedade, já que disso depende, em grande parte, vosso verdadeiro bem, vossa eterna salvação. Porque de quem recebereis vós estímulos e incentivo ao bem obrar, senão daquele que está destinado a dar-vos o verdadeiro exemplo e a verdadeira forma do bem obrar em sua própria vida?... Quem vos inspirará o horror ao pecado, senão aquele que é enviado a vós para destruí-lo?... Quem vos dirigirá, apascentará, instruirá e corrigirá, senão aquele que Deus vos deu ao mesmo tempo como Juiz, como Mestre, como Pastor e como Pai?...
Como Juiz, como Mestre, como Pastor e como Pai! Sim, irmãos e filhos caríssimos, para tudo isso! Em todas as causas que se referem a Deus, à Igreja e à jurisdição espiritual, eu sou vosso Juiz, vosso grande Juiz, e mais tremendo do que os que levam ou que mandam com a espada, porque os juízos e as sentenças que proferirei sobre vós serão de uma esfera mais alta e de maiores conseqüências. Aqueles não têm poder mais que sobre os corpos; eu estendo o braço e pronuncio também sobre os espíritos. Eles podem privar-vos de um bem temporal ou, quando muito, da vida que dura tão pouco; eu posso fechar-vos o paraíso e posso abrir-vos o inferno. Eu sou o vosso grande Juiz e tenho em minha mão uma espada que só pode moderá-la a Igreja e só pode rompê-la Deus. Oh! quanta Sabedoria, portanto, me é necessária! Oh! quanta prudência! Oh! quanta imparcialidade! Oh! quanta Justiça! Como a terei se Deus não a infunde?... Como a terei, se eu, se vós, não a implorarmos de Deus?...
Eu sou vosso Mestre, e depois de Deus e daquele que é Vigário de Deus sobre a terra, eu sou o primeiro, mais ainda, eu sou o que deve vigiar, dirigir e corrigir aos outros vossos Mestres, se fosse necessário, para que a santa Palavra divina, recolhida nas divinas Escrituras, encomendada às Tradições Apostólicas, declarada pelos Padres, aprovada pelos Concílios, ilustrada pelos Doutores e pelos Intérpretes, seja ensinada em sua pureza e transmitida em sua integridade às futuras gerações. Tudo quanto determinam os Cânones, quanto prescreve a Igreja, tudo deve passar, por assim dizer, por minhas mãos ou partir de meus lábios ou ter, pelo menos, minha aprovação. Eu devo velar para que a sempre enganosa heresia, sedutora e astuta, não se apresente a vós sob o aspecto de verdade; para que uma mesquinha filosofia não vos faça tragar o veneno da incredulidade, do materialismo, da impiedade sob as vãs aparências do bom sentido, das novas luzes, das novas descobertas, dos novos métodos e do tão exaltado liberalismo, que não é, na substância, mais que uma prepotente liberdade de pensar, de falar e de obrar impunemente, pisoteando tronos e altares, razão e fé, direitos das pessoas e a única liberdade verdadeira, que é a de fazer o bem; e para que o amor ao prazer, a avidez da ganância, a sedução da comodidade e o encanto das honras não vos deslumbre, não vos atropele, não vos arrebate e, em vez de uma sólida piedade, vos faça seguir a aparência; em vez da verdadeira fé, uma fria indiferença, e em vez do caminho do céu, a estrada demasiada aberta da perdição. Isto devo fazê-lo desde a Cátedra, do púlpito e dos altares, por palavras e por escrito, diante dos doutos e dos ignorantes, dos atrevidos e dos covardes, em público e em particular e, se fosse preciso, também em campo aberto como os “Hilários” e os “Eusébios” e outros insignes mestres, tornados célebres na história da Igreja Católica. Ah! Como farei isso, se Aquele que ilumina os cegos e que nas Sagradas Escrituras é chamado “Pai das luzes” não me ilumina, não me dirige, não me infunde essa divina luz que a uns simples pescadores converteu em Apóstolos, a umas mulherzinhas maltrapilhas, e até umas crianças balbuciantes converteu em línguas falantes, com argumentos e eloqüentíssimas?... Rogai a Ele, meus queridos irmãos, rogai, para garantir vossa orientação e minha.
Deus me manda como vosso Pastor. E me recomenda e intima a escolha dos campos e das pastagens. Exige de mim a guarda, o cuidado e a saúde do Rebanho. Ai! se, por descuido meu ou por sonolência minha, por minha preguiça ou por minha pusilanimidade, uma só das ovelhas que me são confiadas acabasse faltando-me, acabasse perecendo! Eu seria declarado um mercenário, um traidor, um assassino, um enganador.
Não posso ser bom se não estou disposto a morrer por vós e por cada um de vós. O Bom Pastor do Evangelho é meu único modelo: não posso afastar-me dele sem dano para mim, com grande dano para vós. Os lobos vorazes, os ursos raivosos e os leões que rugem não devem aterrorizar-me o mínimo quando se trata de salvar-vos. Expor a honra, os bens, a vida por vossa eterna salvação: este é o grande Sinal, para não dizer o único, que me caracteriza como Bom. “O Bom Pastor dá sua vida pelas suas ovelhas”. O simples fato de fugir, de retirar-me, me desqualifica e declara que não sou Bom, ao contrário, que sou um miserável, um covarde, um mercenário, um falso pastor. “O mercenário, aquele que não é Pastor, quando vem o lobo foge”.
Oh! Quem seria tão cego para invejar a minha sorte?
O que pudesse invejar este ouro que me rodeia, estas pedrarias que brilham sobre minhas vestimentas pontificais, aprenda a apreciar o que significam, o que importam ou valem e o que custam a um Pastor do Evangelho.
Oh! Infeliz de mim, se não correspondo, se não imito, se não sigo o Pastor dos Pastores, que vai adiante gritando: “Porque sou Bom Pastor, morro pelas minhas ovelhas”. E vós, não tratarei de confortar-me e sustentar-me com vossas orações agora e sempre, já que agora e sempre eu devo estar disposto a morrer por vós?
Mas, isto não basta, irmãos e filhos amadíssimos.
Vós sois para mim “filhos”, vós me chamais “Pai”. Eu sou e devo ser para vós “Pai”, e Pai tanto melhor, tanto mais solícito, tanto mais doce, amoroso, apaixonado por vós, quanto mais carinho e amor tem por vós o Pai Celeste, que deu por vós seu Filho divino, ao qual custastes nada menos que o Sangue e a Vida, que diariamente renova por vós, sobre os altares, aquele mesmo sacrifício que outrora ofereceu por vós na Cruz; mais ainda, que goza e se deleita em alimentar-vos com seu divino Corpo e saciar vossa sede com seu divino Sangue. Ele vos entrega a mim e me dá a vós como Pai que o represente, e me dá tudo quanto tem de grande, de precioso, de querido, e a si mesmo por inteiro, para que dele mesmo vos alimente, vos salve.
Não abraçarei eu com todo o afeto do meu coração a estes filhos que Deus me deu e que são amados pelo Filho de Deus? Ah! Sim, vinde todos ao meu peito, que vos abraço a todos e a todos estreito nas entranhas de Jesus Cristo. Vinde, que sinto enorme carinho por vós e me dou conta de que, pela graça de Deus, vos amo já a todos, a todos...
A todos? Também aos néscios? Também aos ingratos? Também aqueles que, com o tempo, talvez pudessem até me odiar, me caluniar, me ofender?... Sim, meus queridos filhos, também a eles, porque ainda que sejam néscios, ingratos, odiosos, ofendedores, não deixariam de ser FILHOS para mim; e, se é do agrado de Deus, não deixarei de amá-los por isso, não deixarei de atendê-los a fim de ganhar a todos para Jesus Cristo; e se não puder outra coisa, abraçado aos pés do Crucifixo, direi com suas próprias palavras: “Senhor, fazei que não se perca nenhum dos que me destes!” “Fazei, ó Pai, (quero começar a dizer isso suspirando...) fazei, ó Pai, que não se perca nenhum dos que me destes!”
Quanto mais amarei a vós que tantas e tão belas provas me dais de amor filial? A vós que, espero, me amareis como filhos, do mesmo modo que eu vos amo como Pai? Eu vos amo, sim, vos amo, e espero que seguirei amando-vos até a morte. Mais ainda: espero que nosso amor não acabará senão em Deus. Espero crescer sempre no amor para convosco, até que nosso amor nos una em Deus, para estarmos todos com Deus.
Eu o espero! Mas, ai! Meus irmãos e meus filhos, unamo-nos e estreitemo-nos no mesmo santíssimo amor, que é o vínculo da perfeição cristã. Amai-me como Pai, mais que como Pastor, mais que como Mestre e como Juiz; e eu vos prometo que, inclusive quando faça de Pastor, vos guiarei como filhos, não como ovelhas; quando atuar como Mestre, vos ensinarei como a filhos, não como a estranhos; quando fizer papel de Juiz, sem violar os direitos da justiça, vos ouvirei como a filhos, vos sentenciarei como a filhos, vos tratarei como filhos, sempre. E somente quando vós deixardes de reconhecer-me como Pai, vos tratarei como desmandados e como réus. Eu sou, e com a ajuda santa de Deus, continuarei sendo “tudo” para vós. De dia e de noite, no inverno e no verão, para ricos e pobres, sadios e enfermos, sacerdotes e leigos, próximos e distantes, aldeãos e cidadãos, eu serei certamente para “todos” e, se não me engana um amor cego, serei “tudo para todos”.
Eu me reservarei e me inibirei só diante daqueles que, esquecidos de Deus e das almas, venham a roubar-me o tempo que devo dedicar para todos, e que, por isso, me resultará sempre escasso; ou diante daqueles que, no lugar do verdadeiro mérito, querem pôr o palavreado. Inimigo como sou da “conversa inútil” e dos respeitos humanos, me mostrarei desconfiado diante de todo gesto cerimonioso e diante das grandes promessas. Mas, em tudo o mais, espero, queridos, que estarei sempre e inteiramente à vossa disposição.
Eia! Sede também vós todos por mim, não para servir-me, não para acariciar-me ou para secundar interesses mundanos, que não combinam com um Ministro de Jesus Cristo, senão para deixar-vos conduzir por Deus, para deixar-vos salvar.
Talvez eu, alguma vez, me mostre contrário a vossos pensamentos, a vossos desejos, a vossos projetos, mas será sempre como Pai. Talvez também grite, talvez até impunhe o látego. Talvez vós me considereis Pastor desamoroso, Mestre indiscreto, Juiz severo. Mas, espero que isso não será assim nunca e que, mesmo então, serei para vós Pai, e que o látego será o próprio de um Pai, não de Pastor, não de Mestre, nem de Juiz. Meu objetivo será sempre defender-vos, sempre salvar-vos. E, inclusive, no caso em que um certo relâmpago do céu pudesse incendiar-me e levar-me a alguma reprovação, a alguma ameaça, a algum castigo (porque São Paulo, depois do Evangelho, me ordena, precisamente, que o faça até inoportunamente), vós recordareis que, até então, serei para vós Pai, e talvez melhor Pai que quando saiba suportar-vos.
Eia! Colaborai comigo sempre, aderi, abraçai-vos comigo e estareis salvos porque, afinal, não busco nem quero outra coisa que vossa salvação eterna.
Assim é como eu sou para vós! Assim é como vos desejo!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário